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Revista Ciencia y Cultura

versão impressa ISSN 2077-3323

Rev Cien Cult vol.28 no.52 La Paz jun. 2024  Epub 30-Jun-2024

https://doi.org/10.35319/rcyc.2024521312 

ARTÍCULOS Y ESTUDIOS

Lutas e resistências de “Los negros de Cañaverales” contra empresas mineradoras

Luchas y resistencias de “Los negros de Cañaverales” contra las empresas mineras

Struggles and Resistance of “Los negros de Cañaverales” Against Mining Companies

Rosely A. Stefanes Pacheco* 
http://orcid.org/0000-0001-5148-3565

Isabela Stefanes Pacheco** 
http://orcid.org/0000-0003-3274-906X

Daniela Saffie Budnik*** 
http://orcid.org/0009-0005-4854-3631

* Doutora em Direito PUC PR (Pontificia Universidade Católica do Paraná), Professora Curso de Direito da Universidad Academia de Humanismo Cristiano, Chile, e do Curso de Direito da Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul, Brasil; Colaboradora da Comisión Chilena de Derechos Humanos (CCHDH), Membro do Centro de Estudos e Pesquisa, Genero, Raça e Etnia (CEPEGRE/UEMS/CNPq) e Centro de Pesquisa e Extensao em Direito Socioambiental (CEPEDIS/PUC/PR/CNPq). Contato: roselystefanes@gmail.com ORCID: https://orcid.org/0000-0001-5148-3565

** Bacharel em Direito pela UEMS (Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul), Assessora do Ministério Público Estadual de Mato Grosso do Sul; Membro do Centro de Estudos e Pesquisa, Genero, Raça e Etnia (CEPEGRE/UEMS/CNPq). Contato: belacpo@hotmail.com ORCID: https://orcid.org/0000-0003-3274-906X

*** Estudante de Psicologia da Universidad del Desarollo, Santiago, Chile; Estagiária da Santa Sé, Vaticano, Nações Unidas. Contato: dsaffieb@udd.cl ORCID: https://orcid.org/0009-0005-48543631


Resumo

Este trabalho tem como objetivo apresentar o caso da comunidade étnica afrodescendente de Cañaverales, localizada no municipio de San Juan del Cesar, departamento de La Guajira, Colombia, e o processo de luta e resistencia contra a explorafáo de carváo pela empresa de capital turco, registrada na Colombia como “Best Coal Company” (BCC). Tal empresa mineradora, após adquirir do grupo de investimentos brasileiro EBX (leia-se grupo Eike Batista), reativou em 2018 um grande projeto de minerafáo, que tinha como perspectiva em uma primeira fase explorar uma mina de carváo, o que poderia colocar a comunidade em constante risco.

Palavras-chave: Cañaverales; comunidade étnica; mineracao; conflitos socioambientais

Resumen

Este trabajo tiene como objetivo presentar el caso de la comunidad étnica afrodescendiente de Cañaverales, ubicada en el municipio de San Juan del Cesar, departamento de La Guajira, Colombia, y el proceso de lucha y resistencia contra la explotación del carbón por parte de la empresa de capital turco, registrada en Colombia como “Best Coal Company” (BCC). Esta empresa minera, tras ser adquirida por el grupo inversor brasileño EBX (léase grupo Eike Batista), reactivó en 2018 un gran proyecto minero, en el que inicialmente tenían previsto explotar una mina de carbón, lo que podría poner en riesgo constante a la comunidad.

Palabras clave: Cañaverales; comunidad étnica; minería; conflictos socioambientales

Abstract

This paper aims to present the case of the Afro-descendant ethnic community of Cañaverales, located in the municipality of San Juan del Cesar, department of La Guajira, Colombia, and the process of struggle and resistance against coal exploitation by the Turkish-capital company, registered in Colombia as Best Coal Company (BCC). This mining company, after acquiring from the Brazilian investment group EBX (read as Grupo Eike Batista), reactivated in 2018 a large mining project, which in its first phase aimed to exploit a coal mine, potentially placing the community at constant risk.

Keywords: Cañaverales; Ethnic Community; Mining Company; Socio- Environmental Conflicts

1. Introdução

“Cañaverales, la comunidad que tiene frenado un proyecto minero de carbón en La Guajira”1 . Esta frase, retirada de uma matéria que veiculou nos meios jornalísticos da Colômbia no ano de 2021, nos serviu de inspiração para iniciarmos este trabalho, pois representa parte do processo de mobilização da comunidade de Cañaverales, localizada no município de San Juan del Cesar, departamento de La Guajira, Colômbia.

Certo é que esta comunidade tem travado uma intensa luta contra um projeto para exploração de carvão a “céu aberto” em seu território. Tal projeto é de autoria da empresa de capital turco, registrada na Colômbia como “Best Coal Company” (BCC), que reativou em 2018 um grande projeto de mineração.

Enfatizamos que este trabalho tomou forma a partir do nosso conhecimento a respeito dos problemas que afetavam a comunidade Cañaverales, que de uma maneira mais incisiva se acentuaram após 2019, quando a possibilidade da exploração de carvão a “céu aberto”, pela empresa turca denominada “Best Coal Company” (BCC) ficou evidente.

Dentre as questões que nos chamaram atenção para a elaboração do trabalho, está o fato de que, anteriormente à empresa turca “Best Coal Company” (BCC), a comunidade já estava apreensiva com a possibilidade da exploração de carvão em seu território pelo grupo de investimentos brasileiro EBX, que agia por intermédio de sua filial MPX (leia-se grupo Eike Batista). Este grupo obteve do governo da Colômbia, no ano de 2008, concessão de 30 anos para a explorar o potencial carbonífero daquela região. Esta proximidade com a concessão para o grupo brasileiro nos chamou a atenção e, a partir de 2023, passamos a estabelecer um contato permanente com a comunidade.

Um dos contatos ocorreu durante um evento realizado em Santiago, Chile, no Fórum Regional sobre Empresas e Direitos Humanos, organizado pelas Nações Unidas. Dentre os participantes encontravam-se as lideranças da comunidade Cañaveral. Fato é que se deslocaram de seu território na Colômbia e viajaram até Santiago, Chile, para que pudessem externar suas preocupações com o projeto de exploração de carvão pela empresa turca “Best Coal Company” (BCC).

Nos relataram as dificuldades que tiveram para chegar até a capital do Chile, mas enfatizaram que “todo esforço era válido”, pois necessitavam dar visibilidade às suas demandas e “contar às autoridades o que lhes estava passando em Cañaverales”. Assim, ao término do evento ficou acordado que realizaríamos reuniões periódicas via plataforma Zoom para que pudéssemos obter detalhes mais precisos sobre o que estavam enfrentando e, neste sentido, poderíamos nos aproximar às demandas da comunidade. E foi com este propósito que realizamos a primeira reunião com a Organização “Sentimiento Cañaveral”.

Momento seguinte, acompanhamos a comunidade por meio de sua Organização “Sentimiento Cañaveral”, via plataforma Zoom, em um diálogo com a OCDE Watch (Organização dos Países Baixos). Entendíamos que se tratava de uma oportunidade significativa, pois buscavam estabelecer espaços de incidência internacional, visto que a OCDE Watch se apresenta como uma organização que, dentre outros temas, dedica-se a monitorar as políticas e práticas das empresas com princípios e diretrizes da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) para empresas multinacionais.

Vale destacar que para participarem das reuniões, realizadas virtualmente, os representantes necessitavam deslocar-se vários quilômetros até o município de San Juan del Cesar, onde podiam ter acesso à internet. Ficou evidente que isto representava um grande esforço para a comunidade, pois, além da distância que tinham que percorrer, também havia o fato de terem de se ausentar de suas lidas diárias. No entanto, estas dificuldades não foram obstáculos para a mobilização2.

Deste modo, quanto à metodologia para a construção deste artigo, contamos com o apoio da comunidade de Cañaverales, o que foi efetivado através da escuta, diálogos, além do que recorremos às pesquisas que foram elaboradas sobre o tema, bem como notícias que veiculam nos meios jornalísticos, via internet.

2. Breves considerações sobre a comunidade Cañaverales e o território

La Guajira é um dos departamentos da Colômbia. Este departamento é composto por quinze municípios, sendo Riohacha sua capital. Conforme dados do Departamento Administrativo Nacional de Estadística, Censo Nacional de Población y Vivienda de 2020, o departamento de La Guajira conta com uma extensão de 20.848 km2, no qual convive uma população de aproximadamente 965.718 habitantes. Vale destacar que, desta população, “48,9% son hombres y el 48,8% son mujeres” (DANE, 2020,apud Tuirán et al., 2023, p.1). Sendo que

posee una gran proporción de población perteneciente a grupos étnicos; un 44,82% de sus habitantes son indígenas. En este sentido, quienes tienen presencia en este territorio son los Wayuu, los Wiwa, los Kogui y los Arhuacos. Asimismo, la población negra, mulata o afrocolombiana constituye el 6,84% de los habitantes y los raizales representan el 0,01%. Además, es importante destacar que en La Guajira el 51,01% de la población vive en la ruralidad, mientras que el otro 48,99% vive en las urbes (p. 1).

Apesar de sabermos que diversas regiões e comunidades padecem dos mesmos problemas, quando se trata de enfrentar grandes corporações, neste momento vamos nos ater à comunidade de afrodescendentes de Cañaverales, localizada “en el extremo nororiental de la zona rural del municipio de San Juan del Cesar, en dirección al piedemonte de la Serranía del Perijá” (Salazar, 2022, p.336). Nesta região habitam mais de duas mil pessoas que ao longo da história têm se dedicado, dentre outras atividades, às lidas do campo e a agropecuária de pequeno porte. Importante enfatizar que estas atividades são viáveis, pois a região de Cañaverale possui

Tierras fértiles regadas por aguas que provienen del río Cañaverales y un afloramiento natural conocido como manantial de Cañaverales, el cual en el 2012 fue declarado por Corpoguajira zona de reserva forestal protectora, en una superficie de 975,5 hectáreas excluidas de actividades de exploración y explotación minera (Salazar, 2022, p.337).

Quanto à história da comunidade Cañaveral de La Guajira, Oscar Gámez, nosso interlocutor e presidente do Consejo Comunitario Los Negros de Cañaverales3, relatou:

La comunidad fue inicialmente habitada por productores agropecuarios dedicados a la producción de caña de azúcar y otros productos de consumo personal. La organización “Con sentimiento Cañaveral” representa un consejo comunitario ancestral afrodescendiente, conformado por una comunidad que aún se mantiene en gran medida como campesinos y productores agropecuarios. Sin embargo, en la actualidad han diversificado su producción, incluyendo ganadería, cría de cerdos, producción de quesos, cultivo de algodón, yuca, plátano, maíz, tomate, entre otros productos. Los Negros de Cañaverales se ha opuesto desde 2009 a la explotación de las cerca de 12 millones de toneladas de carbón, para evitar principalmente la contaminación de la reserva forestal El Manantial y la pérdida de su vocación agrícola (Oscar Gámez, relato via whatsapp, outubro de 2023).

De acordo com Oscar Gámez: “Nuestra comunidad sigue siendo campesinos productores agropecuarios en su gran mayoría, pero ahora con mayor variedad de productos desde ganadería, cerdos, producción de quesos, algodón, yuca, plátano, maíz, tomate y otros productos”4 . Nosso interlocutor enfatizou que às comunidades étnicas afrodescendentes têm sido historicamente afetadas pela mineração do carvão, e que este sistema acaba impactando a convivência em coletividade. Neste sentido, Salazar assevera: “en Cañaverales está emergiendo un debate sobre dos modelos territoriales que se sobreponen y se posicionan incompatibles: el agropecuario y la minería a gran escala” (2022, p. 357). Portanto, há uma disputa sobre territorialidades. Pereira et al. (2013) descrevem que conflitos entre a atividade de mineração e as populações são estruturais e de difícil solução tendo em vista os “usos diferenciados para um mesmo território” (p.10).

Salazar (2022), por meio de seus estudos sobre o território de Cañaverales, no qual também realizou entrevistas com moradores da comunidade, assevera:

Antes de ser visibilizado como una futura mina a cielo abierto, Cañaverales históricamente ha sido reconocido como una despensa agrícola y pecuaria por sus suelos fértiles y la disponibilidad permanente de agua. Tanto así que su nombre se deriva de la producción de caña de azúcar desde finales de la década de 1940. Algunos mayores recuerdan que la producción de caña servía como insumo para otros productos y para el consumo interno de la comunidad; para el intercambio con comunidades afro, campesinas e indígenas de la media y alta Guajira, con las cuales se vendía o se trocaba la miel, la panela y el chirrinchi por chivos o burros; y para abastecer la Fábrica de Licores de Fonseca de la miel de caña que requería. Paulatinamente, la producción de caña ha sido reemplazada por otros cultivos agrícolas como tabaco, algodón, tomate, yuca y ají, y las tierras progresivamente vienen siendo usadas para el pastoreo de ganado ovino y bovino ( Jorge Cujia, entrevista 2021 apudSalazar, 2022, p. 358).

Neste contexto, aspecto importante a ser destacado é a noção de território, ou seja, qual é o pensamento da comunidade sobre o território, em que aspecto este difere do pensamento da outra parcela da sociedade, vez que na América Latina de uma maneira geral, os territórios, seja de comunidades afrodescen- dentes, indígenas ou de quaisquer outros povos, têm sido objetos de distintas reconfigurações territoriais que não levam em consideração a diversidade cultural e o caráter pluriétnico das sociedades.

É necessário acentuar que existem particularidades que regem os direitos coletivos da comunidade, vez que se contrapõe ao conceito individualista de propriedade, tal qual foi produzido pelo direito moderno. O estudo do direito nos coloca diante de uma dicotomia, que muito embora contestada pela perspectiva crítica da teoria jurídica, ainda continua como um paradigma para a teoria jurídica tradicional. Trata-se da divisão entre público e privado. Esta divisão suscita dúvidas quanto a apreensão dos direitos e garantias constitucionais e do próprio exercício do direito assegurado na lei.

Por certo, os direitos reivindicados pelas comunidades afrodescendentes não podem ser concebidos segundo a matriz individualista do direito e das teorias liberais. Mas devem ser vistos como direitos coletivos, condição de um efetivo reconhecimento da diversidade cultural e do caráter pluriétnico das sociedades. Neste sentido, Souza Filho (2016), orienta:

Os direitos coletivos são invisíveis ainda hoje. Cada vez que são propostos ou reivindicados, é desqualificado o seu sujeito: o povo indígena se reivindica um direito coletivo, deve fazê-lo como pessoa jurídica, o MST só pode ser visto como reivindicante de direitos individuais à propriedade de lotes de terra. Exatamente por isso a extrema dificuldade do Poder Judiciário em entender ou acatar o direito coletivo reivindicado e, invariavelmente, conceder liminares para desocupações coletivas de terra garantindo o direito individual do proprietário (Souza Filho, 2016, p.15).

Com relação a este tema, Stefanes Pacheco (2023, p.15) argumenta que para compreendermos tal questão é fundamental conhecermos às noções de propriedade que foram influenciadas por um ideário liberal, marcada por um enfoque individualista, postulada por John Locke, ainda no século XVII, mas que atravessará os séculos. Trata-se de um modelo que transforma todos os indivíduos em iguais, entretanto, divididos em duas classes com direitos muito distintos: os que têm propriedades e os que não têm, mas que delas necessitam. Tal modelo de propriedade não admite pensar o coletivo, mas apenas a propriedade individualizada (Stefanes Pacheco, 2023).

É sobre este território que existe e resiste a comunidade de Cañaverales, frente ao projeto de mineração de exploração de carvão a “céu aberto”, o que tem gerado uma série de questionamentos. De um lado, há os interessados na execução do projeto de mineração, vez que argumentam que esta atividade poderá trazer benefícios econômicos para a região. De outro, a população local tem manifestado preocupação com os prováveis impactos socioambientais que este tipo de atividade poderá trazer para a região. Uma das questões levantada pela comunidade no âmbito destas atividades é sobre os ganhos ou benefícios que este tipo de exploração de recursos minerais pode trazer para as comunidades locais, nas quais estarão acomodados ditos projetos. Muitos, dentre eles o líder do Conselho Comunitário de Cañaverales, afirmam que este tipo de exploração, ao invés de impulsionar o desenvolvimento econômico e social, são geradores de impactos sociais e ambientais negativos, cujas dimensões são maiores que as perspectivas de possíveis benefícios da sua exploração.

Observando a “materialização” do projeto de mineração, a comunidade de Cañaverales iniciou, por volta de 2010, um processo de organização comunitária. No ano de 2014 elaborou seu estatuto e constituiu a “junta directiva”. Neste mesmo ano, a “junta directiva” foi reconhecida pelo município de San Juan del Cesar como Consejo Comunitario Los Negros de Cañaverales. Um dos objetivos desta organização é de implementar processos de defesa territorial autonômicos, diante da possibilidade da instalação da extração da mina de carvão em seu território.

Consta que o Conselho é composto por 969 pessoas que se autodeclaram como comunidades étnicas afrodescendentes e, portanto, sujeitos de direitos, com especial proteção constitucional. Ademais, reivindicam o direito a consulta previa, livre e informada, conforme prevê o Convenio 169 da OIT (Organização Internacional do Trabalho).

3. “MPX, de Eike Batista, encontra carvão na Colômbia”

Para compreendermos o processo de exploração da mineração de carvão em Cañaverales, é necessária uma breve digressão, pois, antes do enfrentamento à empresa de capital turco, Best Coal Company (BCC), a comunidade já havia sentido as “investidas” deste tipo de atividade. Isto porque, no ano de 2008, o grupo de investimentos brasileiro EBX, por meio de sua filial MPX, obteve a concessão por 30 anos para explorar o potencial carbonífero de 13.000 hectares nos municípios de El Paso y Codazzi e em El Cesar, além de 68.000 hectares no sul de La Guajira.

Um dado importante é que, no ano de 2009, os estudos de exploração detectaram a existência de 110 milhões de toneladas de reservas de carvão térmico de alta qualidade e viabilidade econômica para ser explorado em três pontos localizados em La Guajira, que seriam na jurisdição dos municípios de Fonseca, Distracción e San Juan del Cesar (região onde está localizada Cañaverales) (Portafolio, 2009 apudSalazar, 2022, p.349).

De acordo com um artigo publicado no Brasil pela Revista Exame de 15 de setembro de 2009,

A MPX Energia, do grupo EBX do empresário Eike Batista, avança na corrida por combustíveis. Um relatório técnico elaborado pela John T. Boyd, empresa internacional independente especializada em geologia e mineração, indica recursos de 110 milhões de toneladas de carvão mineral em mina localizada na região de La Guarija, na Colômbia. Dos 140 furos realizados pela MPX, 75 tiveram sucesso5.

A matéria citada destaca que “Após um ano de trabalho, a MPX já conseguiu um volume de recursos relevante. A produção inicial poderá atender as nossas usinas térmicas em construção no Ceará e Maranhão, que totalizam 1.440 MW de capacidade instalada”, afirmou em comunicado o diretor-presidente da empresa, Eduardo Karrer”.

Em outro artigo pode-se ler: “EBX anuncia criação de empresa na Colômbia”. Este artigo, veiculado amplamente na imprensa brasileira em 10 de fevereiro de 2011, dizia que:

A EBX, do empresário Eike Batista, informou hoje (9) que vai abrir uma empresa na Colômbia. A CCX será controlada pela MPX que possui uma área na região de La Guajira. O empresário adiantou também, em coletiva de imprensa, que a nova empresa, pretende levantar aproximadamente US$ 1,5 bilhão na oferta inicial de ações (IPO)”6.

Complementa:

Atuando desde 2009 na Colômbia, a EBX, do empresário Eike Batista, informou que irá abrir uma empresa no país. A CCX será controlada pela MPX, que adquiriu uma área de 521 hectares na costa Atlântica colombiana, a cerca de 150 km de suas concessões em La Guajira, para a implantação de seu porto próprio.

Neste processo de euforia e “investidas” em território colombiano, a Revista Exame publicou em 11 de janeiro de 2012 a seguinte chamada: “Eike Batista produzirá até um terço do carvão da Colômbia. A operação, que começa em 2013, deve produzir 5 milhões de toneladas por ano”7. No entanto, mesmo tendo se instalado em La Guajira com a intenção de explorar o carvão em larga escala, o projeto do grupo brasileiro EBX não obteve êxito, sequer iniciou as atividades de montagem e extração e a empresa foi vendida para a empresa turca Yildirim Holdings, denominada Best Coal Company (BCC)8.

El Proyecto Integrado Minero de la empresa Colombian Coal X-CCX, que pertenecía al grupo brasilero EBX y fue vendida en febrero de 2014 a la empresa turca Yildirim Holdings. Este proyecto contempla la producción de 35 millones de toneladas anuales de carbón térmico en dos minas a cielo abierto y una mina subterránea en los municipios de San Juan del Cesar, Fonseca y Distracción, así como la construcción de un ferrocarril y un puerto de aguas profundas con cargue directo en el municipio de Dibulla (Múnera Montes et al., 2014, p.14).

Segundo um artigo publicado na página do UOL em 04 de fevereiro de 2014:

A CCX Carvão Colômbia assinou carta de intenções com a turca Yildirim Holding, estabelecendo termos e condições definitivas para a venda dos projetos de mineração a céu aberto de Cañaverales e Papayal e o projeto de mineração subterrânea de San Juan, incluindo o projeto de infraestrutura logística, na Colômbia. (...) A conclusão da transação está prevista para o segundo trimestre de 2014. O Morgan Stanley atuou como assessor financeiro da CCX no negócio9.

É de se destacar que mesmo antes da venda da empresa pelo grupo brasileiro à empresa turca Yildirim Holdings, o Relatório “Mapa de conflictos socioambientales: conflicto minero: Proyecto “La Guajira” amenaza Cañaverales, Colombia”, publicado em 2013, chamava atenção para os riscos socioambientais que o projeto de mineração poderia causar naquela região. Segundo o Relatório:

Los habitantes de la zona conocida como Cañaverales, San Juan del Cesar, departamento de la Guajira, sostienen que la llegada de la multinacional brasilera MPX Energía, controlada por el multimillonario brasileño Eike Batista (quebrada en 2013), generó importantes conflictos ambientales y sociales. Ésta busca explotar carbón a cielo abierto, que se suma a los ya conocidos por las explotaciones (El Cerrejón y Drummond) del mismo mineral en la región. El problema es que se piensa extraer el carbón muy cerca (menos de 800 metros) del casco urbano de la población de Cañaverales, extrayendo a cielo abierto con tajos hasta de 365 metros de profundidad10.

Uma breve retrospectiva histórica sobre a região nos dá conta que na década de 1980 surgiu a mineração de forma intensiva na Colômbia, com a finalidade de exportação. De acordo com Salazar (2022), “con los proyectos a gran escala El Cerrejón en el departamento de La Guajira y posteriormente El Descanso en el norte del departamento del Cesar. Desde los años noventa el carbón colombiano ha aumentado anualmente sus niveles de exportación en toneladas métricas” (Salazar, 2022, p.340).

O mesmo autor evidencia que “las cuatro décadas de extracción minera en La Guajira no han traído consigo el prometido progreso y desarrollo, pues además de asumir los graves pasivos ambientales, sigue siendo el segundo departamento más empobrecido del país”. Acrescenta: “con una tasa de pobreza monetaria del 53% de su población, altos niveles de desigualdad y un coeficiente Gini de riqueza del 0,552 para 2018. Estas condiciones de pobreza implican”.

Las comunidades afrodescendientes y Wayuu asentadas alrededor del área de explotación, a través de investigaciones locales participativas, han venido documentando y denunciando cómo con ocasión de la minería de carbón se ha deteriorado el acceso, disponibilidad, cantidad y calidad del agua (...); se ha producido el desplazamiento y fragmentación de las comunidades; la militarización del territorio; la emergencia de múltiples enfermedades relacionadas con la contaminación (...), entre otras afectaciones surgidas en un contexto de captura corporativa del Estado, ausencia de acceso a la participación y negación del derecho a la justicia (Salazar, 2022, p.342).

Segundo as pesquisadoras Múnera Montes et al. (2014),

Desde finales de los años setenta los pobladores afroguajiros3 de la zona de concesión han sufrido la devastación de su territorio y su entorno, el desalojo involuntario, el despojo de sus tierras y múltiples vulneraciones de sus derechos económicos, sociales y culturales (p. 1).

O pensamento que se seguia à época era que: “Los pobladores negros del sur de La Guajira, los mismos que en otros tiempos fueron nombrados despectivamente como “bárbaros hoscos11 debían ser urbanizados, su calidad de vida mejorada, su cultura exotizada y sus prácticas espaciales cotidianas transformadas” (Múnera Montes et al., 2014, p.2).

Sabemos que no processo de expansão dos Estados-nação da América Latina, tal qual foram concebidos, não se admitia a existência de grupos sociais com identidades e culturas próprias. Nada de específico poderia haver. Todos deveriam, mesmo que forçosamente, assimilar e viver segundo uma só identidade genérica, integrados à “comunhão” nacional, como se toda a diferença étnica e cultural deixasse de existir e se transformasse numa única cultura homogeneizada (Souza Filho, 1999)12.

Surge o mito eurocêntrico da modernidade, e Dussel (2005), para explicar a construção deste mito, parte de uma visão da “modernidade” em determinar um mundo, demarcando o ano de 1492 como o início deste sistema-mundo. Para o autor, este recorte temporal é feito tendo em vista a expansão marítima portuguesa, e o “descobrimento” da América hispânica. Além do que: “Para o moderno, o bárbaro tem uma “culpa” (por opor-se ao processo civilizador) que permite à “Modernidade” apresentar-se não apenas como inocente, mas como “emancipadora” dessa “culpa” de suas próprias vítimas” (Dussel, 2005, p.59). Assim, para esta nova ordem de poder haveria àqueles que estariam dentro e os que ficariam excluídos deste projeto de modernidade. Pelo que se vê, os “afrodescendientes negros de Cañaverales”, ao se oporem ao pretenso projeto “emancipador” e “civilizador” de “progresso”, estariam entre os excluídos deste projeto.

Para compreendermos essa nova ordem de poder, Quijano (2005, p. 202) propõe que levemos em consideração que a primeira identidade da modernidade é o estabelecimento de um padrão de poder mundial, assim a constituição da América Latina se faz numa nova dimensão, tanto do espaço, quanto do tempo. Portanto, é necessário compreendermos as noções sobre colonialidade, conforme apontada por autores que se dedicam aos estudos pós-coloniais ou decoloniais (Walsh, 2008). Destacamos o intelectual peruano Anibal Quijano, que escreveu um texto que deu base a uma proposta epistemológica para interpretar nossas estruturas e perspectivas históricas latino-americanas, buscando livrar-nos das armadilhas do eurocentrismo (Quijano, 2005).

A categoria colonialidade, para Quijano (2005), indica características segundo as quais o modelo de poder global e hegemônico reforça a classificação social baseada na hierarquia de raça e gênero, formando e distribuindo identidades sociais em escala de superioridade e inferioridade: brancos, mestiços, índios, negros. Neste contexto, o conceito de raça13 mantém uma escala de identidades sociais com o branco masculino no topo e os indígenas e negros nos patamares inferiores. Trata-se de uma forma de poder que pressupõe a colonialidade do ser a operar no âmbito da construção das subjetividades, por meio da inferiorização, subalternização e desumanização. Tal categoria aponta a relação entre razão, racionalidade e humanidade: os mais humanos são os que formam parte da racionalidade formal, historicamente fazendo com que os outros povos apareçam como os selvagens, não modernos e não-civilizados (Quijano, 2005; Walsh, 2008).

4. Dos impactos socioambientais

De acordo com Maria Fernanda Padilha, no jornal colombiano Consonante, em 8 de maio de 2023, “El proyecto de explotación de carbón proyectado por la empresa BCC afectaría las aguas y las especies de la zona, según el estudio de impacto ambiental provisional presentado por la compañía”14. Para compor a matéria supracitada, o jornal Consonante consultou diversos especialistas. Isto porque, em Cañaverales persistem muitas dúvidas sobre os impactos so- cioambientais que a exploração da mina de carvão a “céu aberto” que a “Best Coal Company” (BCC) poderá causar naquela região. Este tema tem ganhado relevância, pois a comunidade de Cañaverales e a empresa se preparam para retomar a “Consulta prévia, livre e informada”, como cumprimento de uma ordem emitida por um juiz de Riohacha, Colômbia.

Segundo as notícias que veicularam nos jornais colombianos no ano de 2023, a empresa turca “Best Coal Company” (BCC) reconheceu alguns dos impactos que adviriam da possível extração de carvão. Dentre eles a empresa cita: a alteração da dinâmica dos canais de água, a diminuição da floresta tropical, o aumento do número de habitantes no município, tendo em conta a chegada de trabalhadores de outras áreas do país. No entanto, apesar do reconhecimento pela empresa destes impactos, a comunidade de Cañaverales, representada no processo de consulta prévia pelo conselho comunitário de “Los Negros de Cañaverales”, insiste que não há informação suficiente sobre as possíveis consequências do projeto, vez que a empresa se nega a fornecer os dados referentes ao projeto.

Dentre as principais preocupações manifestadas pelos dirigentes do conselho comunitário de “Los Negros de Cañaverales” está o impacto que a extração de carvão poderá provocar na reserva florestal El Manantial, bem como o possível impacto que terá na prática da agricultura de subsistência, que é, segundo os moradores, o que mantém a “vida” no território.

Dentre os especialistas consultados sobre este projeto de mineração, Miguel Cáceres, geólogo da Terrae Corporation, explica que tal projeto, conforme foi apresentado, afetará o comportamento das “massas de água”, e que isto poderá provocar uma diminuição da água subterrânea disponível especialmente nos períodos de secas. “Embora se verifique que os rios têm águas superficiais durante todo o ano, quase todos têm contribuições de águas subterrâneas. Isso permite que eles tenham água durante os períodos de seca”. Também destaca: “A exploração a céu aberto poderá fazer com que o ar fique contaminado por partículas de poeira que surgirão tanto da exploração direta da mina, quanto do transporte do carvão em camiões pesados” (comunicação pessoal).

A seu turno, a empresa, “Best Coal Company” (BCC) garantiu que a poeira que a mina geraria estaria abaixo dos limites estabelecidos por lei, mas não esclareceu se estes índices são os estabelecidos pela Organização Mundial da Saúde (OMS) ou pelo Ministério da Saúde da Colômbia. De acordo com os especialistas consultados, este parece ser apenas um detalhe, mas não o é, pois, acreditam que as regulamentações das legislações colombianas são mais flexíveis que as regulamentações internacionais.

Sobre a contaminação do ar, que a exploração poderá acarretar, Miguel Cáceres explica que durante a exploração do carvão não se dispersam no ar apenas partículas, como as incluídas no estudo (tecnicamente denominadas PM10 e PM 2,5) mas outros elementos potencialmente perigosos para o ser humano podem ser libertados na atmosfera e na água. Entre estes estão: cádmio, selênio, arsênico e chumbo.

Corroborando, o Relatório “What is a House without Food? Mozambique’s Coal Mining Boom and Resettlements da Human Rigths Wacth”, 2013, enfatiza que a mineração de carvão é uma das formas mais degradantes ambiental e socialmente de extração de recursos naturais. Esta forma de mineração libera para a atmosfera gases como o metano e o dióxido de carbono (Human Rigths Wacth, 2013)15.

Neste mesmo sentido, Leonardo González, pesquisador da Indepaz, alertou sobre os riscos para a saúde com a exploração do carvão: “El polvillo de carbón es perjudicial para los pulmones. Es como cocinar con leña frecuentemente y se pueden desarrollar enfermedades como cáncer o tos”. Argumenta que: “También genera problemas en los ojos y en la piel”. Deste modo: “Las personas en la zona rural cerca a Cerrejón tienen agua para cocinar o para bañarse con polvillo de carbón en la superficie o incluso asentado en el fondo”16.

Outro alerta em torno da exploração de carvão é a emissão de gás metano, considerado um dos gases que potencializam o aquecimento global. A Global Energy Monitor identificou no seu último relatório três projetos de mineração de carvão que poderão ser lançados nos próximos anos na Colômbia: Cañaverales, Papayal e San Juan, e todos fazem parte do complexo mineiro “Best Coal Company”. A ONG Global Energy Monitor alerta que caso se iniciem as operações nestas minas e sejam reativadas as jazidas atribuídas ao Prodeco em Cesar, “o país poderá emitir mais 216 mil toneladas de gás metano por ano, duplicando efetivamente as emissões existentes no setor, comprometendo o que o governo da Colômbia assumiu publicamente na Convenção Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (UNFCCC)”.

Sobre as denúncias de que a exploração da mina de carvão ameaçaria uma área de floresta tropical seca, a empresa turca “Best Coal Company” (BCC) reconheceu que a mineração seria realizada numa área de floresta tropical seca e com áreas onde existem espécies em perigo de extinção. Neste sentido, a professora do Instituto de Estudos Ambientais da Universidade Nacional, Maria del Rosario Rojas, afirma que é arriscado que um projeto de mineração de carvão a “céu aberto” se estabeleça em um território com espécies ameaçadas de extinção, vez que este território deveria ser protegido. Em suas palavras: “Debe verse el ecosistema en su integralidad: las especies, el agua y las personas. Las afectaciones son a perpetuidad en el lugar donde se hace la explotación porque se interrumpe el agua, se va a extraer la capa vegetal y el subsuelo, se fragmenta el territorio”. Acrescenta que “Nunca se va a recuperar la integralidad de ese ecosistema en esa zona. A sus alrededores también se ve afectado”.

Estes são apenas parte dos possíveis impactos socioambientais que especialistas e comunidades detectaram. Segundo eles, há muitos outros ainda por serem medidos. E a empresa “Best Coal Company” (BCC) tampouco apresentou um diagnóstico preciso a respeito. Neste sentido, segundo palavras de interlocutores da comunidade: “persisten las dudas sobre el verdadero impacto que tendrá la mina de carbón a cielo abierto”.

5. Do direito à consulta prévia livre e informada em Cañaverales

No que se refere ao direito da comunidade a “Consulta prévia, livre e informada”, a Convenção 169 sobre Povos Indígenas e Tribais em Países Independentes, da Organização Internacional do Trabalho (OIT, 1989), é de caráter obrigatório para os estados signatários -inclusive impõem a apresentação de relatórios anuais por parte dos Estados membros sobre sua implementação. Tal Convenção representa, hoje, um importante avanço no tema da proteção dos direitos coletivos.

A OIT (Organização Internacional do Trabalho) dispõe que tal Convenção

... constitui o primeiro instrumento internacional vinculante que trata especificamente dos direitos dos povos indígenas e tribais. A Convenção aplica-se a povos em países independentes que são considerados indígenas pelo fato de seus habitantes descenderem de povos da mesma região geográfica que viviam no país na época da conquista ou no período da colonização e de conservarem suas próprias instituições sociais, econômicas, culturais e políticas. Aplica-se, também, a povos tribais cujas condições sociais, culturais e econômicas os distinguem de outros segmentos da população nacional (OIT, 1989).

É de se destacar que a Colômbia ratificou a Convenção 169 da OIT em 1991, a través da Lei N° 21:

La Constitución Política de Colombia de 1991 dispuso diferentes normas con el fin de reconocer los derechos de los pueblos indígenas, las comunidades afro- descendientes y la obligación en cabeza del Estado para proteger estos grupos. Entre estas normas constitucionales podemos resaltar los artículos 1, 7 y 70, que establecen la obligación del Estado de proteger la diversidad étnica y cultural y el derecho a la identidad cultural. También los artículos 13 y 70 consagran el derecho a la igualdad y no discriminación de los pueblos indígenas y de las comunidades afrodescendentes (Patiño, 2021, p.15).

Também em conformidade com o artigo 93 da Constituição Política da Colômbia (1991):

Art. 93. Los tratados y convenios internacionales ratificados por el Congreso, que reconocen los derechos humanos y que prohíben su limitación en los estados de excepción, prevalecen en el orden interno. Los derechos y deberes consagrados en esta Carta se interpretarán de conformidad con los tratados internacionales sobre derechos humanos ratificados por Colombia.

Resta evidente o direito à “Consulta livre, prévia e informada”, além do que trata-se de um direito é obrigatório que os Estados devem observar cada vez que forem decididas medidas que possam afetar os povos e comunidades de um determinado territorio. Para tanto, é necessário que sejam criados procedimentos com a finalidade de permitir-lhes ampla participação, inclusive em instituições que lhes digam respeito (art. 6°) (OIT, 1989). Tal processo de consulta deve englobar desde a avaliação de legislações e políticas públicas, passando pela sua elaboração e implementação. Importante destacar que a finalidade da consulta não é, meramente, a de informar, mas de obter o consentimento das comunidades, que podem, inclusive, vetar as decisões governamentais (Colaço, 2015, pp. 222-223).

6. O processo de “Consulta livre, prévia e informada” e os seus desafios

Conforme palavras de Oscar Gámez, “El conflicto comienza a partir del 2019 cuando la empresa “Best Coal Company” (BCC) llegó a la comunidade. Inicialmente se negaba a reconocernos como comunidad afrodescendiente, así que hubo que accionar una tutela para ser consultados”17.

Por certo o processo consultivo da comunidade de Cañaverales não tem sido fácil. Conforme consta na matéria veículada pelo jornal colombiano Consonante de 30 de maio de 202318: “La última reunión entre la empresa “Best Coal Company” (BCC) y el consejo comunitario afro Los Negros de Cañaverales terminó sin mayores avances en la socialización del proyecto minero”. Isto porque, as reivindicações que a comunidade apresentou eram semelhantes às que expressaram no início de 2021, quando começou o processo consultivo com os nove conselhos comunitários, que estão na área onde se pretende fazer a exploração.

De acordo com os representantes comunitários de Cañaverales, as comunidades não possuem informações suficientes para compreender tal projeto de mineração para que possam participar da Consulta Prévia de forma livre e informada. Mesmo com todas as reivindicações das organizações, a empresa “Best Coal Company” (BCC) afirmou que só partilharia informações após o início das reuniões consultivas formais. Diante disso, o conselho comunitário recorreu a um pedido de tutela para garantir o acesso à documentação e assim iniciar o processo de consulta. Este pedido foi julgado favorável.

Deste modo, com a intensa mobilização da comunidade, o Primeiro Tribunal Administrativo Misto de Riohacha ordenou ao Ministério do Interior colombiano a suspensão do teste de proporcionalidade,19 que estava sendo implementado para a instalação do projeto de mineração “Best Coal Company” (BCC) no distrito de Cañaverales.

Neste processo, ocorreu o chamado “incidente de desacato” apresentado pelo Conselho Comunitário de Los Negros de Cañaverales. Na demanda apresentada, os líderes comunitários asseguravam que o Ministério do Interior e a empresa “Best Coal Company” (BCC) não estavam cumprindo a decisão de proteção que o mesmo Tribunal havia proferido em 2019, no qual ordenava o respeito pelo direito à “Consulta prévia livre e informada.

Assim que a autoridade do Tribunal Administrativo Misto de Riohacha acatou a reivindicação do Conselho Comunitário de Cañaverales que tem insistido que se escute as pessoas que vivem na área que será afetada pelo projeto de mineração. Além disso, foi decidido que o Teste de Proporcionalidade não poderia ser aplicado neste caso, pois a comunidade demonstrou “animus” em dialogar, solicitando inclusive em diversas ocasiões reuniões para o processo de Consulta.

Para a comunidade, esta decisão do Primeiro Tribunal Administrativo Misto de Riohacha representa uma vitória significativa, pois “não será mais um juiz do Supremo Tribunal de Justiça ou do Conselho de Estado quem deverá pesar os prós e os contras do projeto, mas sim a comunidade étnica que será responsável por colocar as suas preocupações sobre a mesa”20.

É de se salientar que, junto ao ajuizamento de ações, a comunidade tem realizado uma intensa mobilização com parceiros, apoiadores, inclusive reuniões com representantes do Estado colombiano. Tanto é que, em uma destas reuniões ocorridas no segundo semestre de 2022, na reserva Wayúu Tamaquito 2, jurisdição do município de Barrancas, La Guajira, que tinha por finalidade expor os principais problemas que as comunidades vêm enfrentando como consequência da mineração em larga escala, contaram com a presença da Ministra de Minas e Energia, senhora Irene Vélez Torres.

Nesta ocasião, solicitaram à Ministra que tomasse providências e que o Estado colombiano detivesse “el proyecto minero”. Solicitaran à ministra de Minas e Energia que “implemente una política minera enmarcada en el respeto por los pueblos y una mesa técnica permanente de diálogo de alto nivel entre la institucionalidad, autoridades locales y representantes de las comunidades étnicas y campesinas afectadas por la explotación minera en la media Guajira”.

Dentre as denúncias apresentadas à ministra de Minas e Energia, Misael Socarrés, a líder da comunidade indígena de Gran Parada, enfatizou os problemas que vivenciam as comunidades pela falta de água devido à atividade de mineração. Disse que “se han secado 19 cuerpos de agua entre arroyos y ríos, por efecto de la actividad minera”.

Nesta reunião, Samuel Arregocés, representante do Conselho Comunitario Tabaco, região também afetada pela exploração das mineradoras, afirmou que se consideravam “desplazados por parte de las mineras ante la mirada indiferente del Estado, que tiene una deuda histórica con estas poblaciones”21.

Em resposta às demandas das comunidades, a ministra Irene Vélez, assegurou: “Este es el Gobierno del cambio y ese cambio se hace con las comunidades, con estos diálogos, porque nosotros tenemos que entender cuáles son esas visiones y esas exigencias que ustedes tienen, para alinear las agendas de gobierno en torno a las necesidades de cada territorio”22.

Em uma conversa que tivemos com o líder comunitário Oscar Gámez, nosso interlocutor, em dezembro de 2023, este nos contou que a comunidade de Cañaverales espera que o governo do presidente Gustavo Petro cumpra com os compromissos assumidos, no entanto, ademais desta expectativa, continuarão atentos e não deixarão de lutar por seus direitos.

Por certo, conforme afirmam Souza Filho e Prioste (2017):

A modernidade colonial capitalista promoveu, e ainda promove, a destruição da natureza, tanto com a mineração como com a agricultura apelidada recentemente de industrial. Por isso, a rebeldia dos povos e comunidades se insere sempre numa luta pela terra enquanto território que contém a natureza. (Souza Filho e Prioste, 2017, p. 2912).

Neste sentido, Oscar Gámez em seu relato destacou: “El Consejo de Cañaveral de Negros Afrodescendientes está dispuesto a continuar el proceso, pero exige el respeto de sus derechos, la entrega de información completa y la no intervención en las actividades internas de la comunidad”.

7. Considerações finais

Conforme observamos na chamada: “Cañaverales, la comunidad que tiene frenado un proyecto minero de carbón en La Guajira”, a comunidade tem se mostrado resistente a efetivação do projeto de mineração em La Guajira. Isto pode ser identificado:

La empresa turca Best Coal Company (BCC) espera ejecutar un proyecto de minería a cielo abierto en 350 hectáreas del corregimiento de Cañaverales, en el municipio de San Juan del Cesar. Sin embargo, la comunidad, liderada por el consejo comunitario Los Negros de Cañaverales, se ha opuesto desde 2009 a la explotación de las 12 millones de toneladas de carbón para evitar principalmente la contaminación de la reserva forestal el Manantial y la pérdida de su vocación agrícola. Expertos consideran que detrás de esta mina existe un mega proyecto a gran escala para la expansión de la economía carbonífera en el sur de La Guajira23.

Assim que, no sentido de identificarmos os processos de enfrentamento e disputas pela territorialidade dos povos afrodescendentes de Cañaverales e as grandes empresas de mineração, é necessário levarmos em consideração que vivemos em uma sociedade marcada pela lógica capitalista, neoliberal e de cunho racista. Trata-se de opressões estruturais e estruturantes da constituição de uma sociedade que surge, para o mundo ocidental, com a exploração colonialista e ainda marca, em todos os seus processos de colonialidade, relações e instituições sociais as características da violência, usurpação, repressão e extermínio. (Quijano, 2005).

No entanto, mesmo com todas as adversidades, Cañaverales resiste e seus habitantes não aceitam que terceiros queiram colocar em risco sua sobrevivência, bem como a sobrevivência de todo o contexto socioambiental que aí se faz presente. Assim, a luta das comunidades contra a imposição de projetos de mineração é uma mostra do diverso e complexo que podem representar os processos de ação coletiva das comunidades. Ademais, demonstram que o uso da mobilização coletiva tem sido de grande valia, especialmente porque grande parte da comunidade se encontra imbuída de um sentido comum. Segundo palavras dos líderes comunitários, atualmente se sentem fortalecidos, pois contam com importantes laços que foram construídos no decorrer deste processo de lutas e resistências.

O certo é que, em Cañaverales, a força da comunidade, que se reconhece como comunidade étnica afrodescendente, tem sustentado o processo de oposição e resistência em defesa de seu território contra as empresas de mineração. E, é importante ressaltar que, no que se refere à “Consulta prévia livre e informada”, embora algumas empresas adotem mecanismos de diálogo com as comunidades, aos quais pretendem atribuir apressadamente o valor de “consulta”, a consulta prévia tal qual estipulada na Convenção 169 da OIT (Organização Internacional do Trabalho) é um dever do Estado, e este não pode transferir para terceiros sua responsabilidade. Além do que o Estado deve observar às condições apropriadas à livre e efetiva participação dos(as) interessados(as), especialmente por meio de suas instituições representativas.

Neste caso ora apresentado, cabe ao Estado colombiano tomar as medidas necessárias para que o direito à “Consulta livre, prévia e informada” ocorra de acordo com os ditames previstos na Convenção 169 da OIT, tendo em vista que a comunidade “Los negros de Cañaverales” até o momento não tive oportunidade de participar deste processo de forma livre prévia e informada e, portanto, continuam em seu processo de luta e resistência para que nenhum projeto seja efetivado sem o seu consentimento.

Referéncias

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Notas

1 “Cañaverales, la comunidad que tiene frenado un proyecto minero de carbón en La Guajira”. https://consonante.org/noticia/canaverales-la-comunidad-que-tiene-frenado-un-proyecto-minero-de-carbon-en-la-guajira/

2 Entendemos que é necessário, relatar estes encontros com representantes da comunidade de Cañaverales, pois isto demonstra o quanto estão mobilizados.

3 Entrevista realizada com Oscar Gámez, no VIII Foro Regional sobre Empresas y Derechos Humanos que ocorreu em Santiago, Chile em outubro de 2023.

4 Entrevista realizada com Oscar Gámez, via whatsapp em 12 de dezembro de 2023.

5 “MPX, de Eike Batista, encontra carvao na Colômbia”. https://exame.com/economia/mpx-eike-batista-encontra-carvao-colombia-498653/

6 “EBX anuncia criação de empresa na Colômbia”. https://tnpetroleo.com.br/noticia/ebx-anuncia-criacao-de-empresa-na-colombia/

7 “Eike Batista produzirá até um terço do carvão da Colômbia”. https://exame.com/negocios/eike-batista-produzira-ate-um-terco-do-carvao-da-colombia/

8 Sobre a venda, destaca Salazar (2022): “A pesar de haber obtenido la respectiva licencia ambiental y ser declarado como un proyecto de interés nacional por el gobierno de la “locomotora minera” de Juan Manuel Santos, nunca inició las actividades de montaje y extracción debido a que el grupo empresarial brasileño MPX, propiedad de Eike Batista, se vio envuelto en delitos de corrupción dentro de su país en el proceso conocido como Lava Jato, que obligó al conglomerado a vender y retirarse de tal aspiración, por mucho que hubieran encontrado en La Guajira” (p.350).

10 Relatório “Mapa de conflictos socio ambientales: conflicto minero: proyecto La Guajira amenaza Cañaverales, Colombia”. https://mapa.conflictosmineros.net/ocmal_db-v2/conflicto/view/986

11 “Bárbaro, ra. (del lat. barbarus, y este del gr.pápPapoç, extranjero) (...). Hosco, ca. (del lat. fuscus, oscuro) tiene los siguientes significados. 1. adj. Dicho del color moreno: muy oscuro, como suele ser el de los indios y mulatos. 2. adj. Ceñudo, áspero e intratable. 3. adj. Dicho del tiempo, de un lugar o de un ambiente: poco acogedor, desagradable, amenazador” (RAE, 2001, apudMúnera Montes, 2014, pp. 48-49).

12 Souza Filho (1999) se refere ao Estado-naçao brasileiro, mas que também pode ser interpretado para a América Latina.

13 A posição predominante entre os cientistas sociais é que “raças” existem somente como construções sociais, definidas pela interpretação social das diferenças físicas entre grupos humanos.

14 “Proyecto Cañaverales: esto es lo que se sabe sobre los impactos ambientales”. https://consonante.org/noticia/proyecto-canaverales-esto-es-lo-que-se-sabe-sobre-los-impactos-ambientales/

15 Relatório “What is a House without Food? "Mozambique’s Coal Mining Boom and Resettlements”. https://www.hrw.org/report/2013/05/23/what-house-without-food/mozambiques-coal-mining-boom-and-resettlements

16 “Proyecto Cañaverales: esto es lo que se sabe sobre los impactos ambientales”. https://consonante.org/noticia/proyecto-canaverales-esto-es-lo-que-se-sabe-sobre-los-impactos-ambientales/

17 Entrevista que nos foi concedida pelo líder comunitário Oscar Gamez em 12/12/2023, via whatsapp.

19 Importante destacar que neste processo estava em curso um teste de proporcionalidade, o qual foi rechaçado pela comunidade, pois não haviam tido a oportunidade de passarem pela “Consulta prévia, livre e informada”.

20 “Juez ordena la suspensión del test de proporcionalidad en Cañaverales”. https://consonante.org/noticia/juez-ordena-la-suspension-del-test-de-proporcionalidad-en-canaverales/

23 “Cañaverales, la comunidad que tiene frenado un proyecto minero de carbón en La Guajira”. https://consonante.org/noticia/canaverales-la-comunidad-que-tiene-frenado-un-proyecto-minero-de-carbon-en-la-guajira/

Recebido: 01 de Março de 2024; Aceito: 01 de Abril de 2024

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