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Punto Cero

versão impressa ISSN 1815-0276versão On-line ISSN 2224-8838

Punto Cero v.18 n.27 Cochabamba  2013

 

ARTÍCULO CIENTÍFICO

Rede Globo de Televisáo: hegemonia e poder na trajetória do telejornalismo brasileiro

Globo Network: Hegemony and power in the history of Brazilian television journalism

 

Carla Montuori Fernandes

 

Recepción: 17 de julio de 2013
Aprobación: 21 de septiembre de 2013

 

Brasileña, pos doctora en Ciencias Sociales por la Pontificia Universidad Católica de San Pablo (PUC-SP). Magíster en Comunicación y Cultura de los Medios por la Universidad Paulista (UNIP). Actualmente es docente de la Universidad Paulista y del Centro Universitario Asunción (UNIFAI). La autora declara no tener conflicto de intereses con Punto Cero ni con ningún miembro de su Comité Editorial

carla_montuori@ig.com.br

MONTUORI FERNANDES, Carla. (2013). “Rede Globo de Televisáo: hegemonia e poder na trajetória do telejornalismo brasileiro”. Punto Cero, Año 18 – N° 27 – 2° Semestre 2013. Pp. 31 - 38. Universidad Católica Boliviana “San Pablo”. Cochabamba.

 

 


Resumen

El Jornal Nacional, considerado como el programa de noticias de televisión más antiguo del Brasil, fue el escenario de muchos episodios que evidencian un papel hegemónico en el campo de la comunicación periodística televisiva. En este sentido, el artículo pretende reconstruir los temas y los enfoques desarrollados por el Jornal Nacional, sobre los principales acontecimientos sociales y políticos desde 1969, año de su lanzamiento. Asimismo, traza la historia del Jornal Nacional, mediante la sistematización de una serie de estudios nacionales, la identificación de consolidación discurso del emisor, en cada momento socio-histórico de la representación nacional significativa.

Palabras clave: Medios, política, comunicación


Abstract

The National Journal, considered the oldest one television news station, was the scene of many episodes that indicate a hegemonic role in the communication field television journalism. In this sense, the article aims to reconstruct the themes and approaches developed by the National Journal, on the main social and political events, since 1969, the year of its inauguration. This article resumes also the history of the National Journal, by systematizing a number of national studies, identifying speech consolidation of the issuer, in each socio-historical moment of significant national representation.

Keywords: Media; Policy, Communications


Résumé

Le Journal National, considéré comme le premier programme de nouvelles á la télévision au Brésil, a été le théátre de nombreux épisodes qui montrent un róle hégémonique dans le domaine de la communication journalistique de la télévision. En ce sens, l’article vise á reconstruire les enjeux et les approches développées par le Journal National, sur les principaux événements sociaux et politiques depuis 1969, date de sa sortie á l’écran. L’article retrace également l’histoire de la Journal National, en systématisant un certain nombre d’études nationales, en identifiant la consolidation de la parole de l’émetteur, á chaque moment socio-historique de la représentation nationale significative.

Mots – clé: Médias, politique, communication.


 

1. Introduçáo

A história do Jornal Nacional, da Rede Globo de Televisáo, é marcada por inúmeras circunstáncias que evidenciam o enquadramento oficialista do noticiário, manifesta por meio de representaçoes favoráveis a determinados grupos políticos, ao lado da depreciaQáo de “personagens” que náo detém sua simpatia.

Como episódios exemplares, o pesquisador Venício A. de Lima destacou a preferéncia da Rede Globo ao candidato Fernando Collor de Mello, expressa pelo Jornal Nacional na reediQáo do último debate entre Lula e Collor, no segundo turno das eleiçoes presidenciais de 1989; o apoio á eleiQáo e á reeleiQáo de Fernando Henrique Cardoso e a tentativa de minimizar a euforia em torno da reeleiQáo de Luiz Inácio Lula da Silva, em 2006 (LIMA 2006).

Desta forma, o presente artigo tem por objetivo resgatar pesquisas académicas e reconstruir historicamente as temáticas dos principais acontecimentos políticos veiculados no Jornal Nacional, com o intuito de identificar como se constrói as relaçoes de poder e hegemonia no noticiário de maior audiéncia nacional.

A atuaQáo da mídia televisiva é recheada de exemplos que apontam como se perpetua esse espaQo de hegemonia. A própria Rede Globo, por diversas vezes, utilizou a audiéncia dos seus telejornais para alterar os rumos das discussoes políticas no Brasil. Em nome da democracia, seu fundador Roberto Marinho, declarou ao jornal The New York Times que usava o poder da emissora para corrigir os rumos políticos do país, conforme segue (RIDING apud HERZ, 1991: 108): “Sim, eu uso esse poder [...] mas sempre de maneira patriótica, tentando corrigir as coisas, procurando caminhos para o país e seus estados. Nós gostaríamos de ter poder suficiente para consertar tudo o que náo funciona no Brasil. A isso dedicamos todas as nossas forQas”.

Diante desse cenário, a mídia, em especial, a televisáo, terminou por se constituir ator decisivo das mudanQas políticas, protagonistas das novas maneiras de fazer política (BARBERO 2000). O papel mais importante que a televisáo cumpre como mídia dominante na contemporaneidade decorre da possibilidade de construir a realidade, por meio da representaQáo que faz nos seus telejornais, da própria política e dos políticos. O autor Lima valoriza sua atuaQáo ao lembrar que é por meio da televisáo que a política é construída simbolicamente e adquire significado (LIMA 2004).

Ao retomar os principais acontecimentos que marcaram a trajetória histórica do Jornal Nacional, pretende-se responder como se consolidou o discurso da emissora, em cada momento sócio-histórico de significativa representaQáo nacional. Essa discussáo assume grande releváncia no contexto brasileiro, já que parte significativa da informaQáo que o telespectador recebe vem da televisáo, que funciona em alguns casos como única via de acesso ás notícias e ao entretenimento para grande parte da populaQáo. Essa informaQáo chega principalmente pelos telejornais, género de grande abrangéncia e, por isso, considerado um dos mais importantes.

Diante dessa complexa estrutura, que envolve o telejornalismo brasileiro, faz-se necessário indagar como o Jornal Nacional informa seu telespectador? Para realizaQáo do artigo, será realizada uma discussáo teórica sobre o papel da mídia na contemporaneidade, seguida de um levantamento histórico das principais pesquisas sobre o Jornal Nacional, que serviráo como referéncia para reconstruir sua atuaQáo em momentos decisivos da história.

2. Hegemonia e poder na trajetória do Jornal Nacional

Para estudar a trajetória de hegemonia e poder no telejornalismo brasileiro é imprescindível discutir a importáncia que a Rede Globo, mais, precisamente, a televisáo assumiu na contemporaneidade. Buscar apenas a resposta sobre qual tendéncia política o Jornal Nacional apoiou-se no decorrer da história, sem um debate sobre a íntima relaQáo entre televisáo e poder, configuraria uma lacuna para o artigo.

Tal como nomeou Norberto Bobbio, o poder é a finalidade última da política. o conceito de poder pode ser entendido como “a capacidade de um sujeito influir, condicionar e determinar o comportamento de outro individuo” (BoBBIo 1997: 11). Para o autor, a tipologia moderna das formas de poder se estrutura no poder económico, político e ideológico. o poder económico é exercido pela posse de bens materiais, dos quais se necessita para viver e sobreviver. o poder político, pela forQa (coaQáo), por meio das diferentes formas de violéncia, para garantir a permanéncia dos privilégios de determinado grupo. Já o poder ideológico influi sobre as mentes “pela produqão e transmissão de ideias, de símbolos, de visões de mundo, de ensinamentos práticos, mediante o uso da palavra” (BoBBIo 1997: 11).

A teoria do poder ideológico pode ser comparada ao poder dos meios de comunicaQáo de massa, sobretudo da mídia, que conforme, conceitua o autor, “se vale da posse de certas formas de saber inacessíveis aos demais, de doutrinas, de conhecimentos, até mesmo apenas de informaqões, ou então de códigos de conduta, para exercer uma influência sobre o comportamento de outrem e induzir os componentes do grupo a agir de um determinado modo e não de outro” (BoBBIo 2000: 221).

o    poder da mídia de influenciar o comportamento político, desde o final do século XIX, quando se cunhou a expressáo quarto poder é sentido de forma mais intensa e abrangente na sociedade globalizada. Atualmente, a mídia desafia náo somente os clássicos trés poderes, mas também os partidos políticos, os movimentos sociais, a opiniáo pública, como bem elucidou octavio Ianni ao conceituá-la de “Príncipe Eletrónico” (IANNI 2000).

A metáfora de “Príncipe Eletrónico” é utilizada por Ianni para caracterizar o papel de dominaQáo da mídia eletrónica na contemporaneidade, do qual depende o sistema de construQáo do Estado e por onde todos sáo representados, refletidos, defletidos ou figurados. “No lugar do Príncipe de Maquiavel, estadista, que combina qualidade e sorte para manter-se no poder e do Príncipe Moderno, de Gramsci, que, na figura do partido, expressou durante muito tempo a vida política de um país, surge o atual Príncipe Eletrónico, capaz de absorver, recriar e simplesmente ultrapassar os demais” (IANNI, 2000: 62).

Se o Príncipe de Maquiavel representa o grande líder político, capaz de sustentar inteligentemente as qualidades de virtú e fortuna e o Príncipe Moderno é o próprio partido político, como articulador das massas visando á construQáo de uma nova hegemonia, o  Príncipe Eletrónico representa as novas configuraçoes das tecnologias de mídia, “que se apresentam como intelectual coletivo e orgánico das estruturas e blocos de poder presentes, predominantes e atuantes em escala nacional, regional e mundial” (IANNI 2000: 65).

Á medida que a mídia ganhou espaQos e se transformou em uma poderosa indústria transnacional, detentora das mais inovadoras tecnologias eletrónicas, ela passou a ocupar a posiQáo que estava disponível para o Príncipe de Maquiavel e para o moderno Príncipe de Gramsci. o que se tem hoje, no papel da mídia eletrónica, é o intelectual coletivo, reuniáo de profissionais das mas diversas  especialidades, que atuam na interpretaQáo, produQáo e divulgaQáo de conteúdos, com potencial para influenciar a maneira pela qual as pessoas se situam no mundo.

No ámbito da mídia em geral, a televisáo sobressai como poderosa técnica social, já que é o meio de comunicaQáo e informaQáo mais presente e ativo no cotidiano dos indivíduos em todo o mundo (IANNI, 2000). A mídia televisiva é o meio de comunicaQáo que tem maior repercussáo e alcance entre a populaQáo. A pesquisa de hábitos de audiéncia, realizada pela SECoM (Secretaria de ComunicaQáo visual da Presidéncia da República), no ano de 2010, apontou que 94,2% da populaQáo brasileira utilizam a televisáo como fonte de informaQáo e entretenimento.

Essa concentraQáo de poderio que a mídia televisiva no Brasil desfruta, tem registro na própria dinámica de instauraQáo do meio, funcionando desde sua fase inicial como moeda de troca para cooptaQáo de poder simbólico. A mídia televisiva adquiriu, conforme elucidou José Arbex Jr., “o poder de definir o que será ou náo um acontecimento político, assim como o ámbito geográfico e o grau de visibilidade que ele adotarᔠ(ARBEX 2003: 32). A história do Jornal Nacional, da Rede Globo de Televisáo, é revestida de inúmeras Circunstancias que  evidenciam o  enquadramento oficialista do noticiário.

2.1. A relaqáo entre telejornalismo e poder no Jornal Nacional

Em 111 de setembro de 2013, o Jornal Nacional completa 44 anos de existéncia. Com teor moderno, mas sem perder a tradiQáo, o Jornal Nacional ainda lidera o ranking de maior audiéncia dos telejornais brasileiros. A pesquisa divulgada pela SECOM, em dezembro de 2010, apontou que 49,9% da populaQáo assistem ao Jornal Nacional, em contraposiQáo a 11,5% dos entrevistados que acompanha o telejornal da Rede Record, emissora concorrente.

Para produzir cerca de meia hora diária de reportagens, o Jornal Nacional mobiliza aproximadamente 600 profissionais, todos com tarefas bem definidas e dedicadas exclusivamente ao programa. Vale ressaltar que essa tarefa titánica levada a cabo todas as noites, de segunda a sábado, tem muito mais do que os mecanismos visíveis de produQáo: comporta uma série de regulamentos intrínsecos, condicionados ao Estado, á economia, e aos interesses mercadológicos da própria empresa jornalística.

Retomando a mesma visáo de Lins da Silva no qual ele analisou a relaQáo do Jornal Nacional com o Estado, podem-se perceber traQos que associam o telejornal a mais um produto da indústria cultural televisiva. Segundo o autor, os noticiários carregam conteúdos ideológicos e servem de suporte ao Estado e ás elites no poder, para manutenQáo do status quo (LINS DA SILVA 1985).

Para Arbex Jr., essa relaQáo é sem dúvida de troca simbólica, uma vez que o grau de autonomia de um órgáo de difusáo se mede sem dúvida, pela parte de suas receitas que provém de publicidade e da ajuda do Estado.

Segundo ao autor, “os noticiários televisivos sáo os que mais se submetem aos jogos de poder que regulamentam o mercado” (ARBEX 2003: 98). Um excelente exemplo dessa relaQáo de simbiose estabelecida entre noticiário televisivo e o Estado pode ser observado pelo apoio que o Jornal Nacional obteve (e concedeu) ao regime militar, desde sua fase inicial até os últimos dias do governo ditatorial.

Em compensaQáo, o Jornal Nacional funcionava como porta-voz oficial do governo, feito que exigisse a manutenQáo de uma estrutura noticiosa de tom amenizador, isenta de qualquer teor político e crítico. Na fase mais rígida do regime, o JN, dedicava-se a mostrar espécies raras de baleias, inauguraQáo de usinas, crianQas acenando, etc., resultado de uma linha editorial destinada a compor cenários edificantes (Simoes 2000).

O Brasil náo era uma ilha de tranqüilidade. O Jornal Nacional ignorava os problemas nacionais, náo por responsabilidade sua, mas por conta da rigorosa censura exercida contra a mídia televisiva (Lins da Silva 1985).

Vagarosamente, no entanto, o regime militar comeQou a perder forQa no país. No final de 1979, foi realizada uma reforma partidária e em novembro de 1980 foram aprovadas no congresso as eleiçoes diretas para governador. No ano seguinte, em trés de fevereiro de 1980, foi estabelecido o fim da censura oficial no telejornalismo.

Um episódio importante que demarcou o “favoritismo” da Rede Globo ao governo militar foi o ocultamento do maior comício realizado pela populaQáo, pedindo “Diretas Já”. Em 25 de Janeiro de 1984, a populaQáo promoveu um comício na PraQa da Sé, em Sáo Paulo, pedindo eleiçoes diretas. A ediQáo do Jornal Nacional mostrou imagens do evento sem mencionar a comoQáo popular pelas eleiçoes diretas para Presidéncia da República (Rezende 2000).

Mesmo com o término do regime, o vínculo entre a Rede Globo e o Estado permaneceu enraizado. Durante o período José Sarney, o governo continuou a pressionar para que os telejornais da Rede Globo se mantivessem afinados com os seus interesses. Armando Nogueira (ex-diretor de jornalismo da emissora) afirma que: “O governo Sarney usava sua influéncia para impedir que vocé noticiasse um lado e para noticiar massacrantemente outro lado. No episódio, por quatro ou cinco anos de mandato, o Planalto exerceu sobre a Globo uma pressáo sufocante. Obviamente que havia também uma cumplicidade da alta direQáo da empresa” (VIEIRA 1991: 91).

E, de fato, por diversas vezes, o JN cedeu aos apelos políticos. Isso levou o veículo a sofrer severas críticas ocasionadas por sua falta de isenQáo, omissáo noticiosa ou intervenQáo política realizada por meio de sua linha editorial. O telejornal ainda foi acusado de manipular a ediQáo do debate para Presidéncia da República, em 15 de dezembro de 1989, feito que favorecesse o candidato Fernando Collor de Mello, quando concorria com Luiz Inácio Lula da Silva.

O autor Lima, ao estudar a agenda dos telejornais da Rede Globo no período de julho a agosto de 1989, apontou a presenQa maQante de Collor nos noticiários da emissora. Segundo pesquisa do Datafolha, nos últimos 15 dias de julho do ano 89, Collor ocupou no Jornal Nacional 16% do tempo, contra 7% de Brizola e 6% de Lula. A posiQáo favorável da Rede Globo em relaQáo á candidatura de Collor era táo visível, que se tornou inclusive tema de campanha do candidato Leonel Brizola. Isso porque, a emissora a partir de agosto do mesmo ano, passou a valorizar e transformar em supercoberturas, incidentes ou fatos negativos que se referiam aos candidatos Brizola e Lula (LIMA 2004).

Para manter o apoio a ex-presidente Collor, Mauro Porto aponta em sua análise sobre o JN durante a fase impeachment de Collor, que “o noticiário foi omisso, ou quase omisso, ao amenizar os problemas na base de sustentaQáo do governo Collor durante a CPI e náo deixar clara a relaQáo entre as acusaçoes contra Paulo César Farias e Collor (PORTO 1997: 63).

O Jornal Nacional no dia 22 de agosto de 1992, colocou no ar pessoas que defendiam Collor e omitiu a passeata pró-impeachment em Alphaville. A cobertura do Jornal Nacional, segundo Porto, vai sofrer alguma alteraQáo somente em 26 de agosto de 1992, data em que foi efetuada a leitura do relatório da CPI. Nesse dia, a emissora cobriu o evento ao vivo, durante 6 horas ininterruptas, sem qualquer inserQáo publicitária.

Já nas disputas presidenciais de 1994 e 1998, a editoria política do Jornal Nacional tornou-se mais branda. As intervençoes e os apoios diretos desapareceram. Surgia, entretanto, uma nova fórmula para reiterar as alianQas política, via telejornais. No caso do Jornal Nacional, o apoio ao candidato Fernando Henrique Cardoso no ano de 1994, era sustentado basicamente por reportagens que promoviam o engrandecimento do real, atribuindo todos os méritos ao candidato. O cenário promovido pelo telejornal era de avanQo, modernidade e estabilidade. O tempo dedicado as reportagens sobre o candidato também apresentava uma grande vantagem em relaQáo ao seu maior opositor Lula. Rubim em sua análise sobre as eleiçoes de 1994 esclarece: “Náo foi necessário fazer nenhuma escancarada manipulaQáo, como aquela do último debate entre Collor e Lula, em 1989. Isso porque uma cobertura quase isenta da campanha em si combinava-se com uma escandalosa publicidade do Real no espaQo jornalístico, com a vantagem de náo contrariar a legislaQáo em vigor” (RUBIM 1999: 59).

Nas eleiçoes de 1998, mesmo reduzindo significativamente o espaQo da editoria política do JN, o apoio á reeleiQáo do entáo-presidente Fernando Henrique Cardoso ocorria por meio de uma estrutura noticiosa governista, que realQava os problemas do Brasil, como o desemprego, a fome e as demais mazelas do país, de forma totalmente dissociada do governo federal. Além disso, a estrutura noticiosa do JN, conforme análise de Porto, no período anterior a eleiQáo, silenciava aspectos negativos do governo Fernando Henrique e ressaltava aspectos positivos, como a queda da inflaQáo (PORTO 2000).

Sem divergéncias nos resultados, os estudos de enquadramento, realizados por Cooling, durante o período eleitoral de 1998, demonstraram que a agenda política adotada pelo JN náo prejudicou o governo e o candidato a reeleiQáo Fernando Henrique Cardoso (PSDB). Isso ocorria, sobretudo, porque o JN abordava os problemas do país a partir da visáo do governo, sem atribuir as causas das dificuldades ao poder público (COLLING 2004).

Esse cenário de apoio ao governo do presidente Fernando Henrique Cardoso vai se reestruturar somente nas eleiçoes de 2002. Apesar da auséncia de pesquisas sobre a atuaQáo do Jornal Nacional nessas eleiçoes, Colling propóe algumas hipóteses sobre a superexposiQáo do candidato José Serra do PSDB, uma vez que os critérios de noticiabilidade do JN foram sustentados pelo número de compromissos políticos de cada um. Nesse sentido, José Serra foi beneficiado, uma vez que pertencerá ao governo do ex­presidente Fernando Henrique Cardoso, atuando como ministro da saúde (COLLING, 2004).

Outra temática do JN, apontada por Colling (2004) referia-se a tentativa de responsabilizar Lula pela crise económica. Novamente, segundo atesta o autor, os responsáveis pela crise sáo fatores externos e náo a política-económica de Fernando Henrique Cardoso.

Já a pesquisa de Porto et. al. sobre a cobertura do Jornal Nacional no primeiro turno das eleiçoes apontou um tratamento equilibrado entre os quatro principais candidatos, a saber: Lula, Serra, Garotinho e Ciro, ao passo que José Maria e Rui Pimenta tiveram um peso menor. Para os autores, “o Jornal Nacional promoveu uma discussáo política mais imparcial, deu maior visibilidade aos candidatos e promoveu uma agenda que náo causou transtornos á campanha de Lula, que se tornou presidente do Brasil” (PORTO ET ali. 2004: 74).

A eleiQáo presidencial de 2002 representou uma virada histórica para o Partido dos Trabalhadores e para Lula. Um dia após o resultado da eleiQáo, em 28 de outubro de 2012, o Jornal Nacional convidou o entáo presidente eleito para sentar na bancada, ao lado de Fátima e William. Toda a programaQáo do dia, conforme atesta Vera Chaia, esteve ligada ao processo eleitoral e á vitória de Lula.

Além disso, a história de vida do novo presidente, desde luta como dirigente sindical até conquista presidencial, foram esmiuQados pelo noticiário (CHAIA, 2004).

A mudanQa no posicionamento político da emissora, da total falta de apoio ao candidato Lula, a um endeusamento do personagem, pode sugerir o estabelecimento da alianQa entre a Rede Globo e o governo petista. Segundo informa Arbex Jr. (2003, p. 393), entre inúmeras relaçoes de promiscuidade da emissora com o governo Fernando Henrique Cardoso, pode-se destacar o escándalo surgido em torno do aporte de R$ 284 milhóes na Globo Cabo. Ainda, revelou-se que, com esse valor, entre 1997 e 2002, as Organizaçoes Globo teriam recebido do BNDES aportes e financiamentos que totalizam R$ 695 milhóes (Arbex Jr. 2003).

Segundo matéria publicada em 6 de novembro de 2002, na Revista Carta Capital, um dia após as eleiçoes presidenciais que consagraram a vitória de Lula, em outubro de 2002, a holding suspendeu o pagamento de parte da dívida e, mesmo assim, conforme dados divulgados no Observatório da Imprensa, recebeu uma injeQáo financeira em dezembro de 2003, por meio da qual o BNDES emprestou R$ 307,7 milhóes á Net ServiQos, com trés anos de caréncia, através da sua controladora, a Distel Holding S.A., pertencente á Globopar.

Mesmo desfrutando de alguns benefícios, ás Organizaçoes Globo, na campanha eleitoral de 2006, quando o candidato Lula tentava a reeleiQáo, construiu, conforme apontou a pesquisadora Florentina Souza um critério de enquadramento e valéncia que náo desfavoreceu o entáo-presidente (SOUZA 2007).

Souza analisou a cobertura do Jornal Nacional, no período de pré-campanha, de julho a agosto de 2006. Dos 28 telejornais selecionados, o candidato Lula apareceu em 28 matérias e obteve 40% de valéncia negativa, 46,67% de valéncia positiva e 13,33% de valéncia neutra. Já o candidato Alckmin obteve o mesmo número de apariçoes que Lula, sendo 63,33% com valéncia positiva, 20% negativa e 16,67% neutra. Para a autora, “o fato de o candidato Lula obter o dobro de valéncia negativa em relaQáo ao adversário Alckmin, desperta a atenQáo para a reflexáo sobre a cobertura enviesada do JN durante o período de campanha eleitoral” (SOUZA 2007: 162).

Nas eleiçoes de 2006, o Jornal Nacional inaugurou uma série intitulada de Caravana JN. O projeto percorreu as cinco regióes do Brasil, comportou 52 reportagens, produzidas de 31 de julho a 29 de setembro de 2006, a bordo um ónibus, no qual o apresentador Pedro Bial e sua equipe buscaram desvendar quais seriam os desejos dos brasileiros para o próximo presidente.

A pesquisadora Carla Montuori Fernandes ao realizar um estudo de enquadramentos das reportagens, notou que a Caravana JN privilegiou a regiáo Sul do país, ao transmitir imagens de beleza e desenvolvimento dos municípios, ao lado de um cenário de miséria, pobreza e os mais diversos problemas sociais nas cidades da regiáo norte e nordeste do Brasil.

Segundo Fernandes a vantagem política que o presidente e candidato á reeleiQáo Lula obtinha em relaQáo ao seu adversário Alckmin, segundo as pesquisas de intenQáo de votos, era resultado da votaQáo expressiva das regióes Norte e Nordeste. Já o candidato Alckmin possuía maioria eleitoral nas regióes Sul e Centro-Oeste, ao passo que o candidato Lula somava pequena vantagem no Sudeste do país. Apontar um cenário de repleto de problemas sociais, de certa forma, repercutiria negativamente na imagem do entáo presidente e candidato á reeleiQáo Lula (FERNANDES 2009).

Por fim, apesar de buscar um tom imparcial nas últimas campanhas, nota-se que o Jornal Nacional busca a construQáo de uma agenda política que, por vezes, repercute nos indicadores eleitorais.

Considerações Finais

A Rede Globo de televisáo foi constituída em 1965 e despontou rapidamente como emissora líder de audiéncia no Brasil. Para conquistar a simpatia do regime militar, a emissora apostava em uma grade de programaQáo governista, visível especialmente nos seus telejornais.

O Jornal Nacional, mais antigo noticiário da emissora, exerce o papel de cúmplice das diversas interferencias políticas  desempenhadas pela Rede Globo. Uma relaQáo preliminar inclui a interferéncia do telejornal na eleiQáo presidencial de 1989, a controversa posiQáo assumida pelo noticiário no impeachment de Fernando Collor de Mello, em 1992; o enquadramento favorável ao candidato Fernando Henrique Cardoso, nas eleiçoes presidenciais de 1994 e 1998, além da énfase negativa conferida ao primeiro mandato de Luiz Inácio Lula da Silva, quando  o candidato tentava a reeleiQáo em 2006.

A tentativa de compreender a trajetória política desenvolvida pelo Jornal Nacional, ao longo da história, desvelou ainda a presenQa da intima relaQáo entre a mídia e o poder, eficaz na articulaQáo hegemónica da configuraQáo do espaQo de representaQáo política.

 

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