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Revista de la Sociedad Boliviana de Pediatría

On-line version ISSN 1024-0675

Rev. bol. ped. vol.43 no.1 La Paz Jan. 2004

 

ARTICULOS DEL CONO SUR - BRASIL

Tubos de ventilação e água(1)

Tympanostomy tubes and water

Drs. Moacyr Saffer*, Maurício S. Miura**

* Professor Titular de Otorrinolaringologia da Fundação Federal Faculdade de Ciências Médicas de Porto Alegre (FFFCMPA); Professor Adjunto de Otorrinolaringologia da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
** Médico Otorrinolaringologista do Complexo Hospitalar Santa Casa de Porto Alegre.
Artigo submetido em 06.02.02, aceito em 28.08.02.

(1) Artículo original de Brasil. Publicado en el Jornal de Pediatría 2002; 78 (6): 475-80 y que fue seleccionado para su reproducción en la VIII Reunión de Editores de Revistas Pediátricas del Cono Sur. Brasil 2003.


Resumo

Objetivo: foi realizado pelos autores um estudo in vitro, com o propósito de determinar a pressão necessária de diferentes tipos de líquidos para vencer a resistência à passagem pelo orifício do tubo de ventilação.

Métodos: foi criado um modelo de coluna de água, graduado em centímetros a partir da base. Foram adaptados 3 tipos de tubo de ventilação. Em cada um dos modelos, foi colocado água da torneira, do mar, da piscina, do rio, água da torneira com sabão e gota otológica. Preenchia-se o recipiente com microgotas, formando uma coluna líquida até ocorrer escape. Anotava-se a altura da coluna de água quando isso ocorria, sendo equivalente à pressão em centíme-tros de água (cmH 2 O).

Resultados: os resultados obtidos mostram que é necessário uma determinada pressão, para que líquidos atravessem o orifício dos tubos de ventilação.

Conclusão: apesar das limitações dos resultados in vitro, a literatura atual demonstra que não há razão para proteger a orelha durante banho de chuveiro, no qual a água cai de forma indireta e sem pressão. O banho em banheira com água e sabão é potencialmente perigoso, devido à redução da tensão superficial do líquido. A relação direta entre pressão dos líquidos versus a tensão superficial sobre o orifício do tubo de ventilação implica na necessidade de diminuir de alguma forma esta pressão durante os mergulhos em qualquer meio líquido, e de evitar movimentos bruscos da cabeça dentro da água.

Palabras Claves:

J Pediatr (Rio J) 2002;78(6):475-80: água, tubo de ventilação, otorréia.


Abstract

Objective: an in vitro study was conducted to set the necessary pressure in fluids that could break resistance and cross the opening of a tympanostomy tube.

Methods: a water column model was created and graduated in centimeters from base to top. We adapted three sorts of ventilation tubes. In each model, fluids were tested (tap water, seawater, river water, soapy water and eardrops). The column was filled with fluid until a threshold was reached, flowing through the tube opening. The threshold was registered and represented the pressure in cmH 2 O.

Results: the results show that pressure is necessary so that a fluid can cross the opening of a ventilation tube.

Conclusion: in spite of limitations of our in vitro study, the literature suggests that no ear protection is needed during shower, since there is neither direct flow of water nor pressure in the ear. Bathing with soapy water is potentially dangerous due to the reduction in surface tension. The direct relation of pressure and surface tension through the opening of tympanostomy tubes indicates the need to decrease pressure when diving and to avoid strong head movements in the water.

Palabras Claves:

J Pediatr (Rio J) 2002;78(6):475-80: water, ventilation tubes, otorrhea.



Introdução

A miringotomia com inserção de tubo de ventilação (TV) é uma cirurgia freqüente, um dos procedimentos mais realizados na otorrinolaringologia atual1. O TV é utilizado para permitir a ventilação e equalização da pressão da orelha média, não tendo função de drenagem, apesar de que eventualmente possa funcionar como dreno em casos de otorréia. Em pacientes com TV, é freqüente a orientação para que não molhem a orelha durante o banho e que evitem natação, com o argumento de que os líquidos podem passar através do seu orifício. Existem relatos de pacientes que não tomaram cuidados em relação à água na orelha e não apresentaram otorréia2,3. Foi realizado pelos autores um estudo in vitro, com o propósito de determinar a pressão necessária de diferentes tipos de líquidos para vencer a resistência à passagem pelo orifício do TV. Isso foi propos-to, tendo em vista nossa observação inicial que uma gota isoladamente não passa através do orifício do tubo de ventilação.


Métodos

Foi criado um modelo de coluna de água em um recipiente transparente, graduado em centímetros, com altura medida a partir da base. Na sua porção inferior, foram adaptados sucessivamente três tipos de TVs mais comumente utilizados, Donaldson (Figuras 1 e 2), Armstrong e Bobbin, todos com diâmetro interno de 1,14mm. O TV tipo Armstrong apresenta comprimento de 7,0mm, enquanto que os outros, 4,5mm. Em cada um dos modelos foi colocada água da torneira a 16°C e 28°C, água do mar, água da piscina, água do rio, gota otológica (Sulfato de Polimixina B + Cloridrato de Lidocaína) e água da torneira com sabão. Utilizando os vários tipos de líquidos, a experiência constituiu em preencher o recipiente com microgotas, colocadas sucessivamente, de maneira a formar uma coluna líquida até ocorrer seu escape, fluindo através do orifício do TV.


Neste momento, anotava-se a altura da coluna de água em que isso ocorria. O teste foi repetido dez vezes para obterse os limiares equivalentes à pressão em centímetro de água (cmH2O) necessária para produzir o escoamento do líquido.

A avaliação e a leitura dos dados foram realizadas por dois examinadores. Os dados foram comparados através de análise de variância (ANOVA), determinandose diferença estatistica-mente significativa para um p<0,05, usandose o programa estatístico SPSS.


Resultados

Houve passagem de líquido pelo orifício do TV com os seguintes limiares médios de pressão observados através dos testes:

Tubo de Donaldson: com água da torneira, 2,1 cmH2O (a variação de temperatura não alterou o limiar) (Figura 3); água de piscina, 2,1 cmH2O; água do mar, 2,08 cmH2O; água de rio, 1,9 cmH2O; gota otológica, 1,6 cmH2O; com água e sabão, 0,6 cmH2O (Figura 4).



Tubo de Bobbin: com água da torneira, 2,15 cmH2O (a variação de temperatura não alterou o limiar); água de piscina, 2,16 cmH2O; água do mar, 2,14 cmH2O; água de rio, 1,84 cmH2O; gota otológica, 1,59 cmH2O; com água e sabão, 0,61 cmH2O.

Tubo de Armstrong: com água da torneira, 1,3 cmH2O (a variação de temperatura não alterou o limiar); água de piscina, 1,32 cmH2O; água do mar, 1,37 cmH2O; água de rio, 0,85 cmH2O; gota otológica, 0,53 cmH2O; com água e sabão, 0,3 cmH2O.

Pela análise de variância (ANOVA), determinamos se as diferenças entre os limiares de passagem entre os vários tipos de líquidos, testados através do orifício de um mesmo tipo de tubo, era estatisticamente significante. Do mesmo modo, testamos a diferença no limiar de passagem, usando um mesmo tipo de líquido, através do orifício dos três tipos de tubo. A variação dos limiares e médias encontram-se na Tabela 1.

Para cada tipo de tubo (Donaldson, Bobbin e Armstrong), comparamos os limiares de água da torneira versus água da piscina; água da torneira versus água do mar; água da torneira versus água de rio; água da torneira versus gota otológica; água da torneira versus água com sabão; água da piscina versus água do mar; água da piscina versus água do rio; água da piscina versus gota otológica; água da piscina versus água com sabão; água do mar versus água do rio; água do mar versus gota otológica; água do mar versus água com sabão; água do rio versus gota otológica; água do rio versus água com sabão; gota otológica versus água com sabão.

Entre os testes com tubo de Donaldson, não houve diferença significativa nos limiares entre água da torneira, água da piscina e água do mar. O mesmo foi observado nos tubos de Bobbin e Armstrong. Nas demais comparações entre limiares dos vários tipos de água dentro de um mesmo tubo, todas apresentaram diferença significativa (p<0,05).

Comparamos os limiares de um mesmo líquido entre os três tipos de tubos, observando o limiar para água da torneira no tubo de Donaldson, Bobbin e Armstrong; água da piscina no tubo de Donaldson, Bobbin e Armstrong; água do mar no tubo de Donaldson, Bobbin e Armstrong; água do rio no tubo de Donaldson, Bobbin e Armstrong; gota otológica no tubo de Donaldson, Bobbin e Armstrong; e água com sabão no tubo de Donaldson, Bobbin e Armstrong. Não se observou diferença significativa entre os tubos de Donaldson e Bobbin em relação ao limiar para um mesmo tipo de líquido. Quando comparados ao tubo de Armstrong, verificouse diferença significativa (p<0,05) para os limiares de um mesmo líquido testado.


Discussão

A miringotomia com inserção de TV é uma das cirurgias otorrinolaringológicas mais freqüentes no momento. Ela também é a cirurgia mais realizada em crianças após o período neonatal nos Estados Unidos. Estimase que 512.000 crianças abaixo de 15 anos realizaram este procedimento em 1996 e, destas, 280.000 tinham menos de 3 anos(1). Uma vez que grande parte dos pacientes são crianças e que um TV permanece em média 6 a 7 meses(2), é possível imaginar os transtornos causados para a criança e sua família, quando estes são orientados para proteger a orelha da água.

Um levantamento entre 1.266 otorrinolaringologistas nos EUA, em 1992, constatou que 13,1% proibiam as crianças com TV de nadar, enquanto somente 3,1% sentiam que não era necessária nenhuma precaução com a água. Dos entrevistados, 68% recomendavam limitação na profundidade do mergulho(3).

Vários estudos in vitro foram realizados para avaliar o problema. Robson acredita que não há razão para limitar as atividades de crianças na água(4). Wachsmuth, com um modelo de orelha média, concluiu que os TV são mais ativos na função de ventilação da orelha média do que na drenagem de secreções(5). Herbert desenvolveu um modelo de cabeça humana com leitura da resistência com um sensor (ohmmetro) e efetuou várias medidas, concluindo que chu-veiro, lavagem da cabeça e submersão em água da torneira não favorecem a entrada de água na orelha média. Entretanto, água com sabão aumenta a chance de penetração. Achou também que, em banhos de piscina, a incidência de passagem de água pelo TV aumentava com mergulhos(6).

Nossos resultados corroboram a observação de que existe uma resistência natural à passagem para diferentes tipos de líquidos, semelhantes entre si, e comprovada experimentalmente, que é possível de observar nas médias e variações encontradas para água da torneira, da piscina e do mar. Verificamos que os resultados não se alteravam com variação da temperatura do fluido. Esta resistência diminui progressivamente com os respectivos tipos de líquidos: água do rio, gota otológica e água com sabão. Isso pode ser explicado pela ação de substâncias emulsificantes, por exemplo, sabão, o qual diminui a tensão superficial, facilitando a passagem do líquido com menor nível de pressão. Embora não tenha sido feita análise da composição da água do rio, os autores levantam a hipótese da existência de algum poluente com ação detergente, que possa diminuir a tensão superficial do líquido.

Em relação aos tubos de ventilação, os resultados encontrados refletem as dimensões dos tubos de ventilação. Entre os tubos de Donaldson e Bobbin, que apresentam comprimento e diâmetros iguais, não observou-se diferenças significativas entre os limiares. Já o tubo de Armstrong, que apresenta comprimento maior, com o objetivo de permanecer mais tempo na orelha média, mostrou uma resistência significativamente menor quanto a passagem de líquidos por seu orifício.

Em outra experiência, Herbert testou gotas com medicamentos (de polimixina B, tobramicina e ciprofloxacin) observando que nenhuma delas ultrapassa o orifício do TV, se não for realizado algum tipo de pressão externa no conduto(7). Nossos resultados confirmam que gotas otológicas não passam espontaneamente através do TV, sendo necessário exercer uma pressão maior para que isso ocorra.

Estudos prospectivos controlados de pacientes com tubo de ventilação, que nadam em piscina sem proteção nas orelhas, não apresentam diferença significativa na taxa de otorréia, quando comparados com pacientes com tubo de ventilação que nadam com proteção nas orelhas, ou que são proibidos de molhar as orelhas(8-12). Nestes estudos, alguns nadadores eram orientados quanto ao uso de gotas otológicas pós-natação(9,11). Naqueles em que ocorreu otorréia, houve concomitância com IVAS na maioria dos casos (4 em 5 crianças), e todos apresentaram Pseudomonas na cultura(13).

Apesar dos limiares, encontrados em nosso estudo, para água com sabão serem baixos e das limitações de um estudo in vitro, devemos lembrar que, numa pessoa com a cabeça em posição vertical, é muito pouco provável haver formação de coluna de água que atinja a pressão necessária para extravasar líquido através do TV. Além disso, o TV não encontra-se em uma posição extrema na região ântero-inferior da membrana timpânica, mas alguns milímetros acima, aumentando a altura necessária para que ocorra passagem de líquido através do tubo. Desta forma, esta situação torna-se mais provável quando ocorre imersão da cabeça na água.

Lee et al. realizaram uma meta-análise reunindo 5 trabalhos sobre crianças com tubo de ventilação e cuidados com natação e água. Levantaram a hipótese de que, após a inserção do TV, crianças que nadavam sem proteção apre-sentariam um número igual ou menor de episódios de otorréia do que crianças que não nadavam. Os resultados confirmaram a hipótese de que crianças que nadam sem proteção apresentam o mesmo ou menor número de episódios de otorréia do que crianças que não nadam. Entretanto, como os estudos não são randomizados, não é possível excluir vieses sistemáticos, que poderiam mascarar diferenças entre os grupos. Assim, o autor sugere que cada paciente deve ser orientado de forma individualizada(14).

A presença de um tubo de ventilação representa uma abertura artificialmente mantida na membrana timpânica. A passagem de um líquido é dependente da tensão superficial deste e da pressão que é exercida sobre o orifício do TV. Este fenômeno não depende da temperatura do líquido. Apesar das limitações dos nossos resultados in vitro, a literatura atual demonstra que não há razão para proteger a orelha durante banho de chuveiro, no qual a água cai de forma indireta e sem pressão sobre a membrana timpânica e o tubo. O banho em banheira, com água e sabão, é potencialmente perigoso devido à redução da tensão superficial e à possibilidade de mergulho. Por esta razão, existe a possibilidade de entrada de líquido com menor nível de pressão. A relação direta entre pressão versus a tensão superficial sobre o orifício do TV implica na necessidade de diminuir de alguma forma esta pressão durante os mergulhos em qualquer meio líquido, seja piscina, mar, rio, e evitar movimentos bruscos da cabeça dentro da água.

Agradecimento

Ao Dr. João Jornada, físico renomado, nossos agradecimentos pela ajuda valiosa na criação do modelo experimental.


Referências bibliográficas

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Endereço para correspondência:
Dr. Moacyr Saffer
Rua Mostardeiro, 333/ 714 ­ Moinhos de Vento
CEP 90430-001 ­ Porto Alegre, RS
Fone: (51) 3222.9844
E-mail: saffer@via-rs.net

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